Desmatamento na Mata Atlântica cresceu 27% entre 2018 e 2019, aponta relatório
Documento da Fundação SOS Mata Atlântica aponta que Minas Gerais, Bahia e Paraná tiveram as maiores áreas desmatadas; já Alagoas e Rio Grande do Norte conseguiram zerar o desmatamento. Bioma tem lei específica de proteção. Mata Atlântica no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Patrícia Figueiredo/G1 O desmatamento das áreas de Mata Atlântica do Brasil cresceu 27% entre 2018 e 2019, aponta o relatório "Atlas da Mata Atlântica" divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nesta quarta-feira (27), data que marca o dia do bioma. 14.502 hectares foram desmatados entre 1º de outubro de 2018 e 30 de setembro de 2019, comparados a 11.399 no mesmo período entre 2017 e 2018 (1 hectare equivale a 10 mil m²). Os números vinham caindo desde 2016. A maior área abatida foi em Minas Gerais, com 4.972 hectares destruídos, seguido da Bahia, com 3.532; depois vêm Paraná (2.767) e Piauí (1.558). Os estados também ocupavam os primeiros postos no ano passado. Já Alagoas e Rio Grande do Norte conseguiram zerar o desmatamento, conforme os parâmetros da ONG. (O "Atlas da Mata Atlântica" consegue mapear desmatamentos acima de 3 hectares, o equivalente a 30 mil m²). Mario Mantovani, geógrafo e diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, explica que os estados com os piores índices já eram, historicamente, aqueles onde o desmatamento criminoso era mais comum. "Em Minas Gerais, é a queima de árvores para carvão vegetal. Na Bahia, é a soja. No Paraná, há a pressão dos grandes agricultores em relação aos pequenos", explica. Ele credita a continuidade da situação à eleição do presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2018. Parque Trianon, em São Paulo, tem 125 anos e preserva remanescente de Mata Atlântica Marcelo Brandt/G1 Ainda na época da campanha, Bolsonaro afirmou, entre outras declarações, que "não aceitava" as multas ambientais. "Ele sinalizou um vale-tudo. E esse pessoal [que já desmatava antes] se sentiu inspirado", avalia Mantovani. "E, agora, o despacho do ministro [Ricardo Salles] comprovou: o que ele falava na campanha lá atrás, o ministro não entrou para cuidar do meio ambiente do Brasil. Ele entrou com o plano de acabar com o meio ambiente. Esse Atlas já sinalizou que a situação é ruim", afirma Mantovani. O despacho, emitido pelo Ministério do Meio Ambiente em abril, recomendou a órgãos ambientais do país que não levassem em consideração a Lei da Mata Atlântica, de 2006, e aplicassem no lugar dela o Código Florestal. O Ministério Público Federal disse ao Ibama para descumprir o documento do governo, considerando que ele fere a lei de proteção do bioma. Desmatamento na Amazônia tem tendência de alta em 2020; veja 10 motivos de alerta sobre o tema Com a pandemia, Mantovani acredita que o próximo relatório da ONG também não será favorável. "A prova maior foi a autodenúncia do ministro [Salles] naquela reunião", afirma. Na reunião com outros ministros e o próprio presidente, no dia 22 de abril, Ricardo Salles defendeu "passar a boiada" e "mudar" regras de proteção ambiental enquanto a atenção da imprensa está concentrada na cobertura da Covid-19 (veja vídeo). Várias entidades ligadas ao meio ambiente criticaram a fala do ministro. Salles defende mudar regras de proteção ambiental enquanto imprensa se concentra na Covid Legislação A Mata Atlântica é o bioma brasileiro mais desmatado, segundo a SOS Mata Atlântica: apenas 12,4% da área de floresta original ainda sobrevive – cerca de 16,3 milhões de hectares. Do ponto de vista da conservação de biodiversidade, explica Mario Mantovani, um percentual abaixo de 20% já coloca as espécies ali praticamente em extinção. E, se o bioma se extinguir por completo, pode haver consequências como falta de água nas cidades, assoreamento de rios e piora na qualidade do ar. Para tentar reforçar a proteção do bioma é que foi aprovada a Lei da Mata Atlântica, em 2006, explica explica Pedro Avzaradel, professor adjunto de direito ambiental da Universidade Federal Fluminense em Volta Redonda (RJ). O texto acrescentou à lei de crimes ambientais brasileira, de 1998, o artigo sobre crimes contra o bioma da Mata Atlântica, com pena de até 3 anos de detenção. Mas a aplicação é complexa. "Pelo fato de a pena ser de detenção menor que 4 anos, muitas vezes essas são substituídas por outra coisa – penas restritivas de direitos, como o pagamento de uma determinada quantia", explica Avzaradel. Ele acrescenta que há uma série de dificuldades em processos penais ambientais, inclusive do ponto de vista técnico. "Por exemplo: quando você analisa um furto, um roubo, vai pegar uma pessoa, ou um grupo de pessoas que atuam juntas. Os crimes ambientais, muitas vezes, estão sendo praticados por corporações enormes – uma cadeia enorme de pessoas, que às vezes nem se conhecem", lembra Avzaradel. Relatório inédito mostra que 99% do desmatamento feito no Brasil em 2019 foi ilegal No caso da aplicação de multas ainda há a diferença entre as multas administrativas (aplicadas, por exemplo, pelo Ibama) e as que são determinadas por um juiz. "A multa aplicada pelo Poder Judiciário é a que decorre de um crime. E o critério não é o mesmo [da multa administrativa]", explica. 17 estados A maior parte da Mata Atlântica do Brasil está em Minas Gerais, que tem 17% do bioma (cerca de 2,8 milhões de hectares). Em seguida vêm São Paulo e Paraná (com cerca de 2,3 milhões cada), Santa Catarina (2,2 milhões), Bahia (2 milhões) e Rio Grande do Sul, com 1 milhão de hectares. Outros 11 estados têm Mata Atlântica em sua área: Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Notícia publicada em: G1.globo.com